Sutis
hematomas de amor
Por Ciro Pessoa

Foi um grande,
intenso e conturbado amor. Parece que acabou. Nunca se sabe. Ela tinha
vrias qualidades: escolhia bons filmes, fazia amor de forma
enlouquecedora, sabia olhar o cardpio e ir direto ao melhor prato,
tinha um senso de humor aguado e inteligente, uma beleza que, para mim,
era equivalente das deusas mais sublimes e... um pequeno defeito:
mania de me morder quando brigvamos.
Sim, ela era especialista em mordidas. Nosso romance acabou h mais de
um ano e meio e l esto as marcas de sua boca cravadas em vrias partes
do meu corpo. Foram dois anos de mordidas. Que foram ficando cada vez
mais impiedosas e violentas. O motivo? Brigas de casal. Os mesmos e
velhos motivos que todos sabem: cime, insatisfao com a carreira,
discusses sobre que rumo dar ao relacionamento, etc.
Lembro-me, com clareza, da sua primeira mordida. Tnhamos ido a um
restaurante. Como ela estava especialmente briguenta, resolvi dar uma
volta a p e sugeri que nos encontrssemos em casa depois. Por que eu
fui fazer essa proposta num dia em que ela estava pronta para subir ao
ringue? No sei. Vacilo. Desateno. Falta de diplomacia.
Ainda consegui caminhar alguns metros na rua. Eu diria que foi uma de
suas mais profundas e doloridas mordidas. Ela conseguiu, at hoje no
entendendo como, cravar seus dentes na pele que circunda a minha
cavidade nasal. claro que revidei, movido pelo mais puro instinto de
defesa, com violncia. E se no sasse correndo, ela teria arrancado um
pedao do meu nariz. Ou quem sabe o nariz todo.
Com o tempo vieram outras. Como aquela histrica no meu mamilo direito.
Ou aquela em que ela tentou arrancar um pedao da minha mo. Agora, a
mais espetacular, e que guardo no corpo como o mais importante
trofu-hematoma que recebi, foi uma portentosa e profunda mordida que
ela me tascou na altura da nuca. Como conseguia, sendo bem mais baixa do
que eu, no fao a menor idia.
Ela tinha o dom. Sabia morder. Algo nato, entende? Do qual,
sinceramente, no sentirei a menor saudade. Ao contrrio dos momentos em
que amos juntos. Um amor que ningum jamais entender. A no ser ns
dois. Foi, de longe, a mulher que mais amei em toda a minha vida. Como
estranho o amor.
Ciro Pessoa saiu dessa
transa mais mastigado do que um chiclete
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