Stios
desprotegidos significam histria ameaada
Conforme o ltimo levantamento feito pelo Instituto do Patrimnio
Histrico e Artstico Nacional (Iphan), em 1998, existem 12.517 stios
arqueolgicos em todo o territrio nacional. Hoje, acredita-se que esse
nmero j tenha saltado para 20 mil. Entretanto, no quadro desse rgo
federal, vinculado ao Ministrio da Cultura e responsvel por
identificar, conservar, explorar e restaurar todos os stios
arqueolgicos brasileiros, h somente seis arquelogos: quatro lotados
no Rio de Janeiro, um em Braslia e outro em Santa Catarina

Mapa da localizao dos stios arqueolgicos j
pesquisados no Brasil.
Fonte:
Stio Arqueolgico Lagoa
A falta de estrutura e os imes na operacionalizao so, hoje, o
maior obstculo para a preservao dos stios arqueolgicos no pas.
Segundo o arquelogo Rossano Lopes Bastos, consultor na rea de
arqueologia do Iphan, do ponto de vista normativo e legal sobre a
proteo e preservao dos stios arqueolgicos, o Brasil um dos mais
avanados em nvel mundial. "Obtivemos avanos extraordinrios. Durante
a dcada de 80, o maior depredador era o prprio Estado, fazendo
rodovias e hidreltricas sem qualquer levantamento arqueolgico. H 20
anos, parar um empreendimento por conta de descoberta arqueolgica era
at um risco de integridade fsica", comenta o arquelogo.
Bastos j foi coordenador de arqueologia do Departamento de Proteo do
Iphan. Ele mesmo afirma que esses avanos na legislao, como a Portaria
230, instituda em dezembro de 2002, estabelecendo a exigncia de
estudos criteriosos de impacto arqueolgico nas trs fases da licena
ambiental (prvia, de instalao e de operacionalizao), dificilmente
podero ser praticados com a atual nmero de profissionais do Iphan.
"Mas, o Instituto est ando por significativas mudanas na gesto e
a expectativa de melhora", diz.
Sob o benefcio da Lei 3.924 (26/07/1961), todos os stios so
considerados bens patrimoniais da Unio e, supostamente, contam com
proteo especial. O tombamento, entretanto, refora essa proteo e
impede a destruio ou descaracterizao dos stios arqueolgicos de
grande interesse para a preservao da memria coletiva.
Entre os 20 mil stios arqueolgicos do pas somente seis so tombados:
Sambaqui do Pinda, em So Lus, no Maranho; Parque Nacional da Serra
da Capivara, em So Raimundo Nonato, no Piau; Inscries Pr-Histricas
do Rio Ing, no municpio de Ing, na Paraba; Sambaqui da Barra do Rio
Itapitangui, em Canania, So Paulo; Lapa da Cerca Grande, em
Matozinhos, Minas Gerais; e a Ilha do Campeche, em Florianpolis, Santa
Catarina.
Conforme afirma Rossano Bastos, em cada regio, os stios possuem
caractersticas peculiares que do "relevncia" e "significado"
arqueolgico importantes em nvel nacional ou at mundial. Essa
importncia definida pela descoberta de materiais de ocorrncia nica
ou que colaboram com o avano das cincias arqueolgicas. Portanto, a
destruio dos stios arqueolgicos, em qualquer regio, significa uma
perda para a prpria histria do povo brasileiro e das Amricas.
Em geral, as descobertas na regio Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste tm
contribudo ao esclarecimento dos detalhes da histria do povoamento do
continente americano. Na regio Sul, os stios conservam conhecimentos
dos recursos naturais marinhos brasileiros. Na Amaznia, manifestaes
simblicas, como as inscries rupestres e as cermicas policromadas,
ganham destaque nas descobertas, que se concentram especialmente ao
longo dos rios.
O arquelogo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Andr Prous,
tambm destaca a falta de estrutura de fiscalizao do Iphan como uma
dificuldade para garantir a preservao dos stios arqueolgicos. "Em
Minas Gerais, o Iphan no possui nenhum arquelogo em seu quadro;
existem somente arquitetos e historiadores. Quando h necessidade de
vistoria na rea arqueolgica os pesquisadores da UFMG so chamados",
comenta.
A regio de Lapa Vermelha, no municpio de Lagoa Santa, a cerca de 40
quilmetros da capital de Minas Gerais, atualmente considerada como um
dos mais importantes stios arqueolgicos do continente americano. L
foi encontrado o fssil humano de cerca de onze mil anos conhecido como
"Luzia", que aponta para novas teorias da evoluo e ocupao do homem
nas Amricas. (link texto zarias)
Lapa Vermelha possui mais de uma centena de stios arqueolgicos
registrados pelo Iphan e potencial constante de novas descobertas. Mas,
conforme explica Prous, alguns stios arqueolgicos da regio j foram
destrudos pelo turismo descontrolado; outros dependem da
conscientizao dos proprietrios.
Amaznia
Fato semelhante acontece na regio amaznica, especialmente no arquiplago
do Maraj, no estado do Par. "L, h anos famlias proprietrias de
fazendas com stios arqueolgicos sobrevivem da retirada e venda de
peas. Em alguns casos a situao gritante", afirma a arqueloga do
Museu Paraense Emlio Goeldi (MPEG), Edithe Pereira. Para ela, os
principais entraves para garantir a preservao dos stios arqueolgicos
na Amaznia so a distncia e a dificuldade de o para fiscalizao.
Donos de fazenda tm colees particulares ou fazem o contrabando das
peas de cermica marajoara diretamente para clientes que chegam em
avies. Essas informaes so empricas. As atividades so absolutamente
clandestinas. "s vezes, ficamos sabendo de peas somente depois, por
fotos", lamenta ela.
Alm disso, os povos antigos da regio do Maraj construam tesos
(elevaes do terreno) para fugir das inundaes, o que facilita a
localizao dos stios por qualquer pessoa sem especialidade na rea.
"Muitas vezes, a destruio dos stios arqueolgicos acontece por puro
desconhecimento da populao em geral sobre a importncia das peas e
das informaes elas contm", comenta a arqueloga.
No municpio de Monte Alegre, tambm no Par, depois da divulgao, em
nvel mundial, da descoberta de inscries rupestres de cerca de onze
mil anos, o fluxo de turistas aumentou e a atividade vem acontecendo de
forma totalmente descontrolada. "Muitas pinturas que estavam intactas h
alguns anos, j esto riscadas, especialmente da Serra da Lua, que o
stio mais importante da regio", diz Pereira. O prprio governo do
estado estaria estimulando o turismo em Monte Alegre sem manter uma
poltica de preservao ou dar qualquer estrutura de e adequado
para a atividade.
Os stios arqueolgicos de Monte Alegre esto dentro de um Parque
Estadual, criado em novembro de 2001. Mas, at hoje, no foi publicado o
edital para a elaborao do plano de manejo da rea, ou seja, nenhuma
medida de controle ou estudos detalhados foram realizados.

Pintura rupestre em Serra da Lua
O patrimnio arqueolgico amaznico tambm ameaado pelos grandes
empreendimentos privados. Em 1992, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD)
detonou a Gruta do Gavio, na provncia mineral de Serra dos Carajs,
tambm no Par. A gruta tinha datao comprovada em cerca de oito mil
anos. Estudos posteriores constataram a existncia de mais onze grutas
pr-histricas na rea da empresa. Numa dessas, a Gruta do Piqui, foram
descobertos ossos humanos e de animais, sementes e artefatos de
cermica, com datao de nove mil anos. Foi na Gruta do Piqui, tambm,
que foi registrada a primeira ocorrncia de artefatos feitos em ferro
lascado no Brasil.
Segundo o pesquisador do Museu Goeldi, Marcos Magalhes, as descobertas
arqueolgicas na Gruta do Piqui e nos demais stios da Serra dos
Carajs podem ser considerados at mais importantes que as feitas pela
arqueloga norte-americana Ana Roosevelt - as inscries rupestres de
Monte Alegre. A Gruta do Piqui est exatamente na rea prevista para
prxima explorao da empresa.
Em Manaus, uma obra de reurbanizao na praa D. Pedro II, no centro
histrico da cidade, foi suspensa por tempo indeterminado com a
descoberta de um conjunto de urnas funerrias. Segundo Carlos Augusto da
Silva, arquelogo do Museu Amaznico da Universidade Federal do Amazonas
(Ufam) e responsvel pelos trabalhos na praa, o stio de Manaus fica no
entorno da orla do rio Negro, onde existe terra preta arqueolgica (TPA).
A fertilidade desse solo motivo de disputa entre agricultores e sua
explorao indiscriminada vem causando a destruio de algumas peas
arqueolgicas.
Para o arquelogo da Ufam, o fato das peas recentemente descobertas
estarem intactas uma novidade na arqueologia, j que Manaus possui
mais de 300 anos de histria e o material est bem no centro da cidade.
Povos indgenas do Amazonas tm protestado contra a exumao das urnas,
exigindo respeito com os espritos de seus anteados e que os objetos
fiquem no local onde foram encontrados. Mas, os arquelogos da regio
dizem que o material deve ser retirado e levado a um museu para ser
devidamente acondicionado.
Segundo Silva, o ideal seria fazer um laboratrio de visitao pblica e
de pesquisa, no local onde foram encontradas as peas. Mas, para isso,
tambm seria necessrio transportar as peas para um museu, mesmo que
temporariamente.

Urna funerria encontrada em Manaus (AM)
Fotos: Iphan

Detalhe da urna funerria onde possivel identificar
o cadver de duas pessoas
Serra da Capivara
Os problemas enfrentados pela maioria dos stios arqueolgicos brasileiros
no afetam os mais de 600 stios que esto no Parque Nacional da Serra
da Capivara, no Piau. Localizado em uma rea de 130 mil hectares o
Parque Nacional da Serra da Capivara um exemplo de conservao do
patrimnio histrico e artstico nacional. Em 1991, foi consagrado
patrimnio mundial pela Unesco.
A ONG Fundao Museu do Homem Americano (Fundahm) incentiva o
desenvolvimento de pesquisas e conta com um laboratrio de arqueologia e
um centro interdisciplinar para abrigo da documentao fotogrfica e
filmogrfica.
A superintendente regional do Iphan no Cear e Piau, Diva Figueiredo,
afirma que a Serra da Capivara uma das reas mais protegidas do
Brasil, pois est sob a guarda do Iphan, Ministrio do Meio Ambiente (MMA),
Fundahm e do Ibama local, que tem poder de polcia. "H muito tempo que
no ocorrem problemas de depredao. Na dcada de 80, houve alguns,
espordicos", conta.


Pinturas rupestres da Serra da Capivara permitem
identificar animais
que viveram na regio alm de antigos costumes dos habitantes da regio
Fonte:Iphan
Apesar da Serra da Capivara ser considerada um modelo de preservao
ambiental, Figueiredo destaca que novas dificuldades esto surgindo. "A
ocupao desordenada do territrio para a prtica da agricultura ameaa
os stios", alerta. H ainda aqueles que criam animais de forma
extensiva, extraem mel e, no perodo da estiagem, caam no Parque para
complementar a alimentao. Alm disso, as queimadas realizadas no
entorno contribuem para a perturbao de todo ecossistema.
Segundo a superintendente regional do Iphan, as exigncias de estudos de
impactos ambientais freqentemente no contemplam as questes
arqueolgicas, apesar da legislao exigir isso. Assim, no Piau, o
Iphan, juntamente com o Ibama e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente,
desenvolve um trabalho preventivo contra atividades e empreendimentos de
impacto arqueolgico, exigindo uma prospeco prvia e um estudo de
impacto sobre esses riscos. "Com o apoio do Ministrio Pblico Estadual
temos conseguido fazer um trabalho preventivo importante", conta. De
acordo com Diva Figueiredo, a prospeco arqueolgica em paralelo ao
estudo ambiental evitaria a destruio de muitos stios.
Chapada dos Guimares
Na regio da Chapada dos Guimares, no Mato Grosso, segundo o espelelogo
(profissional que estuda as cavernas) Jos Guilherme Aires Lima, chefe
do Centro Nacional de Estudos, Proteo e Manejo de Cavernas do
Ibama/MT, a grande maioria dos stios arqueolgicos no se beneficiam do
Parque Nacional porque esto fora de seu territrio. "Na poca da
demarcao, j havia conhecimento da existncia dos stios, mas eles
foram excludos".
O espelelogo afirma que, apesar de os stios serem de difcil o, a
falta de fiscalizao incentiva a visitao dos turistas. Um dos mais
conhecidos a Lapa do Frei Canuto, um stio de cerimonial que foi
depredado com pixaes.

ndio Walrs
deve ajudar a desvendar
histria registrada nas cavernas
Outro stio que est fora do Parque Nacional da Chapada dos Guimares
a caverna Kamukuak, s margens do rio Batuvi. Este um stio
arqueolgico vivo, que conta com os relatos dos descendentes indgenas
para a interpretao dos materiais encontrados. Os ndios Waurs esto
confinados no Parque e, desde o ano ado, reivindicam o
reconhecimento da rea da caverna para o tombamento. Mas agora, segundo
Jos Guilherme Lima, o stio est sendo ameaado pela autorizao de
cerca de 20 mil hectares de desmatamento para o plantio de algodo no
entorno.
Fonte: http://www.comciencia.br